quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Aquela voz inconfundível...

Uma das muitas lembranças que guardo carinhosamente da minha infância é a do meu tio-avô. Lembro-me, sobretudo, de sua voz forte, marcante e de seu acentuado sotaque maranhense.
O velho Jaime, irmão de minha avó materna, vivia em um povoado chamado São Benedito, embrenhado nos confins do Maranhão. Apesar de nunca ter colocado os pés em dito lugar, quando falo dele me parece tão familiar que é como se eu o conhecesse, deveras!
Lembro-me que ele fazia o percurso de sua casa até à casa de minha avó a cavalo - e na época do inverno (no Maranhão, naquele tempo, essa estação era marcada pelas chuvas constantes e pelos rios que se formavam mata adentro), os caminhos ficavam muito difíceis, por causa disso vô Jaime tinha que madrugar, atravessar igarapés, viajar praticamente o dia inteiro para chegar a Santa Helena, vilarejo onde vivia minha avó. Mas, quando chegava, quase sempre à noite, ninguém mais dormia, porque ele tinha causos pra contar... Era história pra mais de légua!!
Fosse a hora que fosse, minha avó levantava, acendia o fogão a lenha e preparava um bom rango... e eu sabia que durante os dias em que ele ficasse por lá não haveriam broncas nem castigos. Ahhh, era tão bom ser criança!

Murici
Outra coisa que muito me lembra meu tio-avô é murici, uma frutinha miúda, amarela, muito comum no Maranhão, usada para fazer suco, que minha avó chamava vinho. Vó Jaime chegava com uma carga de murici, pra felicidade geral da garotada. Até hoje consigo me lembrar com grande exatidão dessa fruta, apesar de nunca mais tê-la provado ainda levo comigo seu sabor e aroma.

Eu não consigo lembrar muito bem quando vi vô Jaime por última vez, acho que tinha uns 16 anos aproximadamente, em uma das muitas viagens de férias que fiz pra casa de minha avó. A imagem que me vem à memória agora é a dele sentado à mesa, comendo qualquer coisa e tomando café com farinha d'água. Jaime falava, falava e falava... com aquela voz inconfundível, aquela voz que quando ouvia, nas madrugadas de minha infância, levantava correndo. Aquela voz que nunca esqueci e que seria capaz de reconhecer em qualquer lugar, de olhos fechados.
A noite passada sonhei com Jaime, me deu uma saudade imensa de tudo que vivi nos tempos de outrora. Ainda bem que as coisas boas a memória registra e não nos permite esquecê-las. Acordei melancólica e levantei saudosa, me veio à cabeça aquele lindo poema de Casimiro de Abreu, Meus oito anos, que tem tudo a ver com o que estou sentindo hoje: Nostalgia!
Nostalgia dos bons tempos, tempos esses que passaram e que, infelizmente, não voltam mais.

Um trechinho do poema de Casimiro:

Oh! Que saudade que tenho,
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sheung Yiu, o vilarejo abandonado!

Finalmente fui conhecer Sheung Yiu - um vilarejo fundado no final do século XIX por membros da família Wong. A família Wong, que pertencia ao grupo étnico Hakka, abandonou seu lugar de origem na província de Guandong e se estabeleceu por aqui, pertinho do grande Parque Natural Pak Tam Shung, nos Novos Territórios, e montou uma pequena venda para ganhar a vida fornecendo mantimentos aos moradores locais e viajantes que passavam pelo lugar. 
Como o negócio começou a dar bastante lucro, decidiram construir o vilarejo para abrigar tanto a casa da família como a dos empregados - eles chegaram a ter mais de cem trabalhadores.

Paisagem em Sheung Yiu
Ruina de uma das casas da família Wong

Sheung Yiu  ocupava uma área de cerca de 500m e foi construído sobre uma plataforma de aproximadamente dois metros de altura. Essa altura servia não apenas para proteger as casas de inundações mas também de possíveis invasores. Composta por uma série de oito casas, cozinhas, chiqueiros e estábulos, o vilarejo também teve em seu tempo um espaçoso pátio aberto - uma área de lazer comum, onde banquetes eram realizados e os grãos eram torrados e secos.
O centro de cada casa foi reservado para a sala de estar, tinha uma decoração simples com mesas e bancos de madeira, bem como troncos e caixas para armazenamento de produtos alimentícios; a parte de baixo desse espaço era usada para jantar e fazer recepções para os visitantes, já a parte de cima servia como quarto e despensa.


Interior da casa: sala de estar e quarto

Objeto de trabalho da família Wong

Casa principal
Sheung Yiu Folk Museum

Além de trabalhar com a pesca e a agricultura, a família Wong prosperou mesmo foi trabalhando com artesanatos tradicionais, como a fabricação de cal, tijolos e telhas para uso na construção. A região era muito rica em corais, pois Sai Kung, uma praia nas proximidades do vilarejo, fornecia recursos abundantes para a fabricação desses produtos - que os Wong souberam aproveitar ao máximo.
Com o passar dos anos e o aumento da produção de cimento e tijolos nas grandes fábricas, o vilarejo foi perdendo sua clientela e declinando. Na década de 1950 os moradores de Sheung Yiu começaram  a sair e procurar as áreas urbanas para ganhar a vida, e por volta de 1960 a aldeia já tinha sido completamente abandonada. Em 1981, o Governo declarou o vilarejo como monumento histórico, e começou o trabalho de restauração para desenvolver a área para o Sheung Yiu Folk Museum.



Perdendo a timidez e postando minha primeira foto no blog

Hoje, o vilarejo não é mais o que era na época da família Wong, a única coisa que ainda resta é a casa principal que foi transformada em museu, todas as demais são apenas ruínas.

O mais legal de fazer uma visita ao vilarejo de Sheung Yiu foi poder unir duas atividades que gosto muito:
1- Trilha - adoro andar dentro do mato... Para chegar a Sheung Yiu foi preciso fazer uma caminhada de aproximadamente 30 minutos por dentro do parque natural Tam Tak Chung. O percurso, apesar das muitas subidas e descidas é fácil de fazer, até mesmo pra mim que não tenho muita energia pra subir ladeira. As paisagens e as variadas espécies de plantas que encontrei pelo caminho deixam o percurso bem interessante e divertido.
2- Atividade Cultural - visitar o museu foi uma delícia, apesar de pequeninho é bem organizado, recria a atmosfera da época em que a casa era habitada pela família Wong. Além disso, é exibido um vídeo que conta toda a história do vilarejo desde sua origem.

O museu está aberto ao público desde 1984, com exceção das terças-feiras, abre todos os dias das 10h às 17h. A entrada é franca!.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida...

“Toda mulher que já teve um bebê sentiu dor, e as mães de menininhas têm o coração cheio de tristeza.”

mensagem de uma mae

Logo que terminei a leitura de Xu Xiaobin, A Serpente Emplumadaquis dar continuidade a minha empreitada de conhecer mais a fundo a literatura chinesa. Pesquisei sobre vários livros e decidi ler Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida, de Xinran. A história tocou-me bastante, provavelmente por trazer relatos reais de mulheres chinesas que devido aos percalços da vida precisaram abandonar suas filhas à própria sorte. Os depoimentos são tão reveladores que não tem como lê-los sem sentir um nó na garganta, sem imaginar como reagiríamos caso fosse conosco. Não tem como não nos colocarmos no lugar dessas mães e sofrermos com elas. Confesso que por vezes chorei… É triste, muito triste!
Xinran começa nos explicando o porquê de haver na China tantas meninas orfãs. Ela diz que isso acontece, “em primeiro lugar, porque é um costume arraigado na cultura do povo, pois desde os tempos antigos bebês do sexo feminino são considerados inferiores e abandonados em comunidades rurais do oriente; em segundo lugar, porque há uma combinação de ignorância e liberdade sexual; e por último, por causa da existência da política do filho único.”
Nas zonas rurais, onde os habitantes tiravam o sustento de métodos mais primitivos como a agricultura e a pesca, a preferência por crianças do sexo masculino era mais comum; por causa de sua força física e capacidade para trabalhos pesados elas eram mais desejadas. Além disso, a tradição que diz que apenas o filho homem tem o direito de herdar o nome do clã, que apenas ele pode dar continuidade a linhagem familiar e acender o incenso no altar dos ancestrais, fez com que algumas pessoas, sobretudo aquelas com pouca ou nenhuma instrução, começassem a abandonar ou asfixiar a criança logo após o nascimento, caso fosse menina.
Eu já tinha escutado falar sobre a desvalorização da criança do sexo feminino na China, mas a verdade é que nunca havia entrado em contato com histórias que me revelassem de fato como tudo acontece. Todas as vezes que tomei conhecimento de algum caso de abandono de menininhas, achava que os pais faziam isso por falta de compaixão, por falta de amor propriamente dito; hoje, após ler o livro de Xinran e conhecer as circunstâncias que levaram muitas mães ao ato de abandonar suas meninas, compreendi que elas agiram assim mais por falta de opção que por falta de amor.
Muitas mães, por conta do abandono de suas filhas, acabaram tristes, deprimidas, algumas enlouqueceram, outras, se suicidaram. Após ler todos esses relatos, o sentimento que restou é o de completa tristeza.
A autora de Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida recebeu inúmeras cartas de meninas que foram adotadas por famílias estrangeiras; essas meninas têm suas vidas repletas de dúvidas, por isso muitas mães adotivas aproximaram-se da literatura de Xinran em busca de respostas para os questionamentos das filhas. Dentre todas as perguntas que foram feitas a Xinran, a mais recorrente foi: Por que minha mamãe chinesa não me quis? No livro, a autora tenta responder à pergunta e mostrar para essas meninas chinesas – que perderam suas mães biológicas – o quanto essas mães sofreram e o quanto elas as amavam.
No final, a autora ainda pergunta: com todas as dramáticas mudanças pelas quais a China passou, será que as mulheres que pela tradição foram forçadas a abandonar suas menininhas terão algum dia a chance de abraçá-las novamente?
Adoraria acreditar que sim!

“Uma mulher era como um seixo desgastado e arredondado pela água e pelo tempo. Nossa aparência externa é alterada pelo destino que nos cabe na vida, mas água alguma poderia alterar o coração da mulher chinesa e seus instintos maternos.”

Sobre a autora:


xinran



Xinran é uma jornalista e escritora chinesa. Nasceu em Beijing, em 1958. Em 2004 fundou uma ONG, The Mother’s Bridge of Love, que busca auxiliar órfãos chineses e estreitar a compreensão entre Ocidente e China.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Touch of the Light, um filmaço!!

Dia desses fui ao cinema porque queria assistir a algum filme que me tocasse, que me fizesse pensar, que não fosse mais um típico filme americano com carros explodindo, tiros pra todo lado e o escambau. 
Em meio a tanta variedade de filmes em exibição, acabei me decidindo por Touch of the Light, de Chang Jung-Chi, um diretor taiwanense. 
Foi a primeira vez que fui ao cinema e decidi assistir a um filme chinês. Com audio em mandarim e legenda em cantonês e inglês, o filme definitivamente me agradou!
Eu já até tinha comentado que estava me sentindo meio envergonhada (eu sempre me sinto envergonhada quando não me interesso em conhecer um pouco mais da cultura do país no qual vivo) por não conhecer nada do cinema chinês. A verdade é que já andava bastante curiosa para saber se os chineses são bons nessa arte... Pois é, eles não me decepcionaram, não!

Touch of the light está baseado em uma história real. Trata da vida de um adolescente cego que ingressa em uma universidade de música e precisa superar todas as barreiras para conseguir seguir adiante e realizar o sonho de ser músico. Paralela a essa história, o filme conta também sobre a vida de uma jovem de origem humilde, que tem paixão pela dança, mas precisa de apoio e incentivo pra correr atrás de seu sonho. Em um dado momento os dois se conhecem, começam uma bonita amizade, e o rapaz cego passa a ser para a moça o incentivo de que tanto precisava. Ela começa a se espelhar nele, em sua força de vontade, em sua motivação para superar as dificuldades apesar de sua deficiência visual. Através do rapaz cego, ela se dá conta de que também pode ser capaz de superar as dificuldades e seguir com a dança. O filme é muito bonito, triste em alguns momentos, mas em outros engraçadíssimo.

No elenco temos Huang Yu-Siang (o ator/protagonista que interpreta a si próprio) e a atriz Sandrine Pinna, uma chinesa-francesa muito bonita e pelo visto bastante talentosa, pois já ganhou vários prêmios.



Abaixo uma prévia pra quem ainda não assistiu:




Então, pessoal, quando esse filme chegar por aí pelas bandas de vocês, não deixem de assisti-lo, é bonito que só!!.
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